segunda-feira, 30 de março de 2009

Uma pétala

- O que você quer? Porque olha tanto para meus sapatos?
- Porque se importa?
- Não me importo.
- Porque pergunta?
- Você está me importunando!
- Por que lhe deixo sem resposta, ou porque olho seus sapatos?
- Quanta inconveniência!
- Se lhe importuno, se sou inconveniente, porque me dá assunto?
- Não dou. Suma de minha frente!
- Vê essa rosa? Perdi uma pétala dela. Estou a procura.
- É louco?
- Não. Você é?
- Ora! Estás a brincar?
- Não banque a portuguesa, mulher. Apenas me diga se viu em seu caminho a pétala de minha rosa.
- E eu lá tenho tempo pra essas besteiras? Deixe-me ir, estou atrasada.
- Pois vá. Repare nas etiquetas das roupas de grife de suas amigas, nos dígitos da conta bancária, nos juros... Repare apenas o seu mundo. Depois, logo mais à noite, pergunte-se se vale a pose de bem sucedida, se vale ter homens a seus pés, jovens sob seus comandos. Olhe todo o luxo de sua casa e pergunte-se com quem dividirá.
- Mas que prepotência.
- Apenas me diga: viu minha rosa?
- Não vi rosa nenhuma criatura. Vá embora. Que tipo de louco é você.
- Minha senhora procuro apenas minha pétala e sou chamado de louco. Acredito no Amor e sou chamado de tolo. Acredito nas palavras proferidas com fé e sou tido como doido. Mas não acho que eu sou nada disso.
- E qual louco acha que o é?
- Aquele que se olha no espelho, segue todos os padrões, mas carrega consigo uma loucura disfarçada e banhada a ouro. Aquele que vê sua coleção de carros importados e deseja no fundo ter uma coleção de carrinhos de brinquedo porque sabe que aprendeu desde cedo que a poluição que produz ajuda a matar o mundo, mas se obrigada a adotar a política do: “eu faço o que eu posso!”. Loucos sabem que são loucos quando andam apressados todos os dias sem saber o por que. Os que são programados para produzir e andam tão cegos que não conseguem enxergar uma pobre pétala perdida. Agora me faça um favor, levante seu pé direito que preciso pegar a minha pétala. Essa flor precisa chegar a seu destino e não entrego rosas aleijadas.
- Pega sua pétala e vai embora. Estou farta desse lenga lenga.
- Ta bom.
- Antes ir, me diz uma coisa. Pra quem é essa rosa?
- Não costumo revelar, mas vou abrir uma exceção pra você.
- Sim, diga. Porque é estranho entregar apenas uma rosa. É de bom tom entregar um buquê.
- Ah, mas a pessoa que receberá essa rosa, está tão acostumada com buquês, que não repara a beleza de cada flor.
- Loucura.
- Pois então, deixe-me ir.
- Espera, não vai me contar?
- Essa rosa pode ser entregue para seus olhos que avistaram o sucesso, mas esqueceram de enxergar o calor humano. Ou para suas mãos macias e tratadas, mas constantemente vazias de sentimentos puros. Ou quem sabe, para seu coração coberto de desesperança porque lhe falta uma pétala.

(Por: Livia Queiroz)

Ao som de Alanis Morissette
'HAND IN MY POCKET'