segunda-feira, 27 de abril de 2015

Carta em Coma

Lá no baixo dessa colina há um poeta em coma. A sua casa está completamente cheia de afazeres domésticos e os e-mails se acumulam. Ora, essa! Essa criatura é imprescindível para o mundo, para as reuniões de trabalho, para as festas de aniversário dos filhos dos outros, para as duras críticas político-sociais. Ele precisa digitar o mais rápido possível para parecer sempre saber o que está fazendo em suas planilhas gigantescas. Ele precisa também sair à noite e ser visto para fazer “uma social”.  E na mesa dos bares que costuma frequentar com sua roupa bem passada, é proibido falar de mim, é que lá tudo é concreto demais para ser abstrato.

A cada dia que passa ele não entende o motivo pelo qual dentro de seu coração há uma bolha de ar. Pensa estar confuso, depressivo ou simplesmente triste, procura ajuda pra curar o que não está certo, e entre uma terapia e outra sorri mais aliviado com a esperança de que a viagem das férias prescritas, as gotinhas homeopáticas e os livros de autoajuda hão de funcionar com a velocidade das conexões tecnológicas. E aí o coma do poeta só aumenta porque não da pra ser duas coisas ao mesmo tempo, o poeta é um espírito aventureiro que pousa num corpo esperançoso de luz.

Daqui do alto, eu trabalho por conta própria, em meu nome e em nome de minhas irmãs, faço uns poucos versos de suplício enquanto observo o poeta lá em baixo se ligando à vida por um fio que a cada hora que passa fica mais fino. Oro com fervor. Creio eu, em todo poder da palavra, e é quase um crime hediondo ver poesias abafadas pelo caos que se instalou na rotina do mundo com total apoio e permissão de todos os homens.


Com desespero vital,
Poesia

27 de Abril de 2015

Por: Livia Queiroz