sábado, 18 de fevereiro de 2017

Dos dois mundos.

Que pensam esses homens de pele diferente?
Que pensam essa gente de vestes tão estranhas?
Adentraram nossas casas, insultaram nossa gente
Nos venderam como bichos, nos despiram as entranhas.
Que querem esses homens de linguajar mole?
Que tanto procuram ao nos vasculhar a terra?
Que percebem de tão ruim com nossa prole?
Que nos acorrentam qual prisioneiros em guerra?
Incendiaram nossa fé 
E derrubaram nossos altares
Nos despiram pé à pé
Desmontaram nossos lares
A troco de quê?
Meu axé, meu ifá, meu orixá, meu candomblé
Tudo traduzido pra essa língua
Que até escrevo igual a eles
Não é por gosto, e sim por medo
Por que interceptam meu pensamento
Proíbem nossos cânticos e nos açoitam sem razão
Depois me levam para igreja
E lá me deixam de pé num canto para o sermão...
E aqueles santos brancos em gesso
Nada se parecem comigo
Se olhares do ponto do avesso
Verás meu ego sofrido,
Meu corpo acanhado
Meu cabelo alisado
Meu lábio grosso encolhido
e uma alma: acanhada.
Mas dentro dela mora tudo
O que me foi arrancado
Desmorona o mundo dos que me pisaram
E grita a dor da fome do EU que sempre fui eu, eu, eu...


Até depois do fim dos dois mundos.


 (Por: Livia Queiroz)