Lá
no baixo dessa colina há um poeta em coma. A sua casa está completamente cheia
de afazeres domésticos e os e-mails se
acumulam. Ora, essa! Essa criatura é imprescindível para o mundo, para as
reuniões de trabalho, para as festas de aniversário dos filhos dos outros, para
as duras críticas político-sociais. Ele precisa digitar o mais rápido possível
para parecer sempre saber o que está fazendo em suas planilhas gigantescas. Ele
precisa também sair à noite e ser visto para fazer “uma social”. E na mesa dos bares que costuma frequentar com
sua roupa bem passada, é proibido falar de mim, é que lá tudo é concreto demais
para ser abstrato.
A
cada dia que passa ele não entende o motivo pelo qual dentro de seu coração há
uma bolha de ar. Pensa estar confuso, depressivo ou simplesmente triste,
procura ajuda pra curar o que não está certo, e entre uma terapia e outra sorri
mais aliviado com a esperança de que a viagem das férias prescritas, as gotinhas
homeopáticas e os livros de autoajuda hão de funcionar com a velocidade das
conexões tecnológicas. E aí o coma do poeta só aumenta porque não da pra ser
duas coisas ao mesmo tempo, o poeta é um espírito aventureiro que pousa num
corpo esperançoso de luz.
Daqui
do alto, eu trabalho por conta própria, em meu nome e em nome de minhas irmãs, faço
uns poucos versos de suplício enquanto observo o poeta lá em baixo se ligando à
vida por um fio que a cada hora que passa fica mais fino. Oro com fervor. Creio
eu, em todo poder da palavra, e é quase um crime hediondo ver poesias abafadas
pelo caos que se instalou na rotina do mundo com total apoio e permissão de
todos os homens.
Com desespero vital,
Poesia
27 de Abril de 2015
Por: Livia Queiroz