sexta-feira, 19 de junho de 2009

POEIRA

- Quando eu não estiver mais aqui, você vai lembrar de mim?- pergunta Guta
- Ah, sem esse papo agora! Lembra o que nos prometemos? - responde Lara, sem muito pensar.

As duas estão deitadas sobre a grama olhando para o céu infinitamente azul. O que predomina entre elas é um segredo: Em breve estarão separadas.
Guta usa um short jeans e a camiseta com a imagem do Anjo Gabriel.
Lara veste uma bermuda azul marinho e uma camisa de listras brancas e azuis.
Estão estiradas lado a lado e com preguiça de falar muito.
O silêncio entre elas é doce.

- Eu acho que vou querer virar uma nuvem - diz Guta.
- Uma nuvem?
- É. E aí quando você olhar lá pro céu, eu vou assumir a forma de um coração. Bem fofo e macio.

Novamente o silêncio se faz presente.
Um vento sopra fraco, o Sol não tá lá grande coisa e as nuvens passam devagar nos mais diversos formatos, todo o céu parece alegre. Talvez haja um motivo.

- Acho melhor a gente voltar. - sugere Lara - ta ficando tarde.

O caminho que fica pra trás é sutil e de passos curtos. Nenhuma das duas fala muito, há mais entre os olhares. Há muito mais.
O ônibus pára e elas sobem. Sentam uma do lado da outra. Guta segura a mão de Lara que vai pra lá e pra cá acompanhando o sacolejo do ônibus.
Há uma beleza múltipla e estonteante na mistura que as duas compõem, e há o cheiro de segredo em tons disfarçados, mas ninguém no ônibus nota. Ninguém ali se olha de fato.
Até as duas evitam se olhar. Guta vai na janela olhando a paisagem correr. Lara olha o entrelace das mãos sem nada pensar, sem nada querer.

A tarde vai caindo do lado oposto do mundo. A sarjeta. O Contrário.
Saltam do ônibus e andam mais um pouco até a casa de Guta.
Despedem-se sob o último adeus do Sol que parecia mais distante do que realmente é, como se fizesse parte de uma outra galaxia, a outro Universo de distância, anuncia-se triste como o protagonista de sua própria partida. O beijo de Lara pousa risonho sobre o rosto moreno de Guta e parece fazer cócegas em cada poro, ela sorri com maciez, e por alguns instantes tenta evitar o inevitável, mas uma lágrima miúda e tímida rola pelo olho direito.

O Sol se despede pela última vez, também com uma lágrima. Começa o vácuo. O momento em que não é hora nenhuma. Mas se sabe que logo em seguida a Lua vai despontar.

Guta é uma palavra. Lara é olho atento de pronúncia incorreta.

- Tenho que ir, ja anoiteceu - diz Lara.
- Vai com Deus. - um abraço mudo e úmido encaixa os corpos das duas, combinando de repente com a primeira estrela empoeirada a despontar no azul marinho da noite.
Guta mantém Lara em seu abraço, esta por sua vez olha para os fios negros nas costas de Guta. De um negrume quase irreconhecivel, caso ela não soubesse o motivo. A peruca. De repente adotada como a única alternativa. De repente adorada.

Do fim do abraço, resta o cheiro do espaço que fica entre o laço de dois corpos, o barulho do portão sendo aberto e os passos das duas indo em direção contrária: uma para dentro do seu mundo, outra para fora.

"É óbvio que eu vou lembrar de você. Pra sempre. E é óbvio que você vai virar nuvem. Um coração.", diz Lara enquanto se afasta.

As estrelas debocham das duas e se fazem cadentes.
"Idiotas"- riem descaradamente os pontos brilhantes no céu - "Ninguém vira nuvem. Ninguém vira coração."


NOTA: Post sem imagem porque iria ficar parecendo maior do que realmente é.


(Por: Livia Queiroz)