terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ascendente Câncer ( Parte 7 )

Natália passara todo aquele tempo em paz... Não mais queria contato algum com Lara. A verdade é que havia se magoado muito depois da última discussão que as duas tiveram. E com razão, Lara falou coisas que não se fala a quem se ama, mas o ciúme que sentia da ex a deixou cega e a fez perder a razão. Palavras malditas. Isso sim! Natália não tinha a pretensão de encontrar Lara, e não faria nenhum esforço para tal. Quando decidiu esquecer, o fez, sem pensar no amor que sentira antes. E, se por um lado Lara falou sem pensar, por outro, Natália abriu mão do amor mais puro e verdadeiro que já vivera, sem ao menos lembrar que todos merecem uma segunda chance, dessa forma, nessa história de amor só houve perdedoras.

Natália via-se por muitas vezes curiosa para saber qual o motivo da insistência de Lara, e pensava que era apenas peso de consciência e que a ex iria argumentar, tentar explicar, tentar reatar o que já havia se partido. E isso, para Naty, era uma coisa impensável, não poderia e nem queria tentar novamente, ou pelo menos, achava que não queria. “Lara acabou com nosso amor”, dizia a si mesma, “não fui eu, portanto, ela que passe bem com a própria consciência”, porque era muito mais cômodo se isentar de toda culpa e mais fácil aceitar o fim do relacionamento fazendo de conta que era apenas uma vítima.

Fato é que é preciso maturidade para assumir a sua parcela de erro, e mais ainda para aprender a se perdoar antes de perdoar o outro. Natália ainda não conseguia lutar com as próprias pernas, e por comodismo não achava mais que aquele amor era grande coisa. Pusera-o na balança com todos os seus outros problemas e viu que esse era o último e menor. Seria mais fácil assim.

O sábado passara rápido e já era fim de tarde, Natália sentiu uma tontura repentina. Estava só em casa. Tomou um copo d’água bem gelado e resolveu deitar até que passasse o mal estar.
“Deve ser o calor”, pensou.

Longe dali, caminhando na areia da praia e sob os raios atentos do por do sol, Lara tivera mais uma crise, e dessa vez, seu estado se agravara muito, tanto que ela teve de ser hospitalizada ás pressas. As dores de cabeça eram insuportáveis e pelo que se sabia à respeito, nada mais melhoraria. Era uma questão de tempo.
Na sala de espera, Silvia, de olhos inchados e esbugalhados fixados num ponto da parede à sua frente, arranjava forças para rezar:
- Meu Deus, sei que eu deveria estar pronta pra isso. Mas eu não estou. Por favor, me ajude a ampará-la, me dê forças para ajudar no que for preciso. Larinha é tudo pra mim! É a única que eu amei e amo como amiga, como companheira, cúmplice, pessoa... Foi meu maior presente. Por favor, meu Deus. Ela é tudo que eu tenho.

Tão mergulhada em sua conversa com Deus, Silvia não notou a presença da Dra. Lucia, a médica de Lara.

- Silvia, – disse, usando um tom sereno embora fosse tensa a situação – Desculpe atrapalhar sua oração.
- Como ela tá?
- Agora tá dormindo. Lhe demos um sedativo, porque a dor era insuportável.
- Santo Deus! – disse Silvia em meio à lágrimas. – Se eu pudesse trocava de lugar com ela.
- Não diga isso. – tornou a médica, sentando na poltrona em frente à Silvia e segurando as suas mãos como que a confortá-la – É muito nobre o sentimento que você nutre por Larinha, mas entenda que esse aprendizado é dela, não seu. O que ela precisa é que você seja forte e permaneça a seu lado.
- Sempre. Eu a amo.
- Sou médica de Lara desde quando ela tinha dezesseis anos e isso já se vai algum tempo. Foi quando ela teve seu primeiro tumor. Nessa época foi até mais simples, porque descobrimos logo e...
- Eu sei... Ela me contou...
- Creio que você saiba as condições de Lara agora. E o quão difícil está sendo. E não posso mentir nem omitir nada... – pausou tentando criar coragem.
- Não precisa me dizer isso. Eu sei como vai terminar, mas, por favor, eu não quero ouvir isso.
- Tudo bem. Eu penso, que talvez fosse a hora de avisar à família dela. Informar o real estado de Lara, entende?
- Eu preciso da aprovação de Lara, doutora.
- Claro. Pois então, quando ela acordar, conversem à respeito. Se quiser pode ficar no quarto com ela.

Silvia forçou um sorriso, que quase não saiu, para agradecer enquanto se dirigia ao quarto 301.

POR: LIVIA QUEIROZ

(CONTINUA...)

domingo, 28 de novembro de 2010

Ascendente Câncer ( Parte 6 )

Não é preciso dizer que aos poucos o tumor no cérebro de Lara foi aumentando o que ocasionava dores de cabeça cada vez piores. A operação para a retirada do nódulo não podia ser feita por que o mesmo se encontrava em uma região que impossibilitava o procedimento cirúrgico. Assim sendo, Lara esperou que o seu tempo terminasse, suportando as dores, os vômitos cada vez mais constantes, a perda de peso devido à falta de apetite, problemas com a coordenação motora, as mudanças repentinas de humor... e como não mantinha contato com a família, ninguém soube do que lhe acontecia, só quem estava sempre por perto era Silvia, que se mudou para a casa da amiga na tentativa de ficar mais próxima e poder ajudá-la. Lara havia se afastado do trabalho e dos estudos, pois já não tinha mais condição de continuar

Aquela manhã estava sendo particularmente difícil. A médica de Lara já havia passado por lá e lhe dado uma injeção para diminuir suas dores, mas com o passar de todo aquele tempo o organismo se acostumara à medicação e quase já não adiantava tomá-la.
Silvia pedia à Deus para que a amiga sofresse o menos possível:
- Meu Deus, nós já aceitamos Sua vontade. Mas por favor, não deixe Larinha sofrer tanto. – orava na cabeceira da cama de Lara, tamanha a devoção e o amor que sentia por ela.

Depois da oração, Lara parecia haver serenado, o rosto adormecido, antes enrijecido por conta da dor de cabeça, dera lugar a um semblante calmo, que aparentemente dormia em bons sonhos. E perdurou a manhã inteira a calmaria. Por volta das treze horas Lara acordou e aparentava melhora:
- Olá Bela Adormecida – cumprimentou Silvia dando-lhe um beijo na testa.
- Oi. Bom dia – disse sorrindo.
- Boa tarde ? Como se sente?
- Melhor. E você?
- Eu to bem. Tá com fome?
- Um pouco.
- Oba, então vamos almoçar, fiquei aqui lendo e as horas voaram.
- Vamos. Mas não to com muita fome.
- Tudo bem, coma só um pouquinho. Tá uma delícia, fiz ensopadinho, você adora.
- Hummmm... Adoro os fins de semana em que você cozinha pra gente?
- Você quer dizer TODOS os fins de semana né? – enfatizou Silvia de forma engraçada.
- É. – riram.

O almoço corria agradável, Lara parecia realmente melhor, a conversa fluía e as duas riam de lembranças antigas, casos dos amigos...
Em determinado momento o assunto foi acabando e Lara foi ficando distante:
- Ei, viajou pra onde? – brincou Silvia
- Ah, desculpa, tava pensando...
- Em que?
- Deixa pra lá. – suspirou tristemente.
- Até já imagino...
- Ela não vem.
- Bem... Não a conheço, não sei dizer, mas já se passou tanto tempo...
- É. Ela não vem. Você me leva lá?
- Lara, isso é loucura! Se ela não veio talvez seja porque ela não queira te ver.
- Ela não quer me ver, mas eu quero vê-la. O certo então, é eu ir até ela ?
- Não concordo com isso. Vai ficar se machucando mais, pra quê?
- É, tem razão, ela pode nem me receber... – concordou meio a contragosto.
- Vamos mudar de assunto? Hoje é sábado, que tal uma caminhada na praia no fim da tarde?
- Oba! Eu topo.

POR: LIVIA QUEIROZ


(CONTINUA...)

sábado, 27 de novembro de 2010

Ascendente Câncer ( Parte 5 )

Lara acordou com o coração repleto de esperanças... Uma sensação nova a preenchia: o gosto do novo.
Era o último dia do ano, e as pessoas confiavam no tempo como sendo o senhor maioral de todas as premissas. Era como se naquele dia os problemas parassem e a chegada da nova data anunciasse apenas as soluções para o que quer que fosse.

Lara ficaria em casa, pois recusara todos os convites que recebera para passar um réveillon supostamente inesquecível. Mas ela estava bem, muito bem aliás, naquele dia pôs a cabeça pra funcionar e passou a pensar em todas as coisas que tinha evitado: os sonhos que realizara e os que não realizara, os desejos, as coisas todas que compuseram seu aprendizado até ali. Esse foi o único dia em que ela não pensou em como deveria ser a morte ou ensaiou o que faria depois que seu espírito deixasse o corpo.
Nesse emaranhado de pensamentos o dia passou rápido, e logo a noite chegou. Lara estava só e na sua condição primordial: FELIZ DA VIDA!

À meia noite os fogos coloriram o céu e o peito acumulado de coragem, deu-lhe forças para pegar o telefone:
- Oi Natália. Sou eu, Lara.
- Sim.
- Feliz Ano Novo.
- Obrigada. – respondeu a ex, secamente.
- De nada. – falou Lara, ensaiando as palavras certas – Olha... eu queria muito conversar com você, aliás queria te ver e conversar pessoalm...
- Lara – Interrompeu Natália – muito obrigada por ter ligado. Eu desejo que você tenha um ano maravilhoso e que seja muito feliz, mas sinceramente não tenho motivos pra te ver ou conversar. Não faz sentido, entende?
- Entendo. Desculpe-me, mas eu preciso mesmo te ver.
- Quando eu puder eu vou aí, tá? Agora preciso desligar.
- Tudo bem.

E assim começava o ano de Lara: com a esperança de que as duas conversariam quando Natália pudesse, ou quisesse.
Depois da ligação, Lara deitou no sofá e adormeceu. Despertou mais tarde com a campainha tocando. Era Sílvia, amiga de longa e também ex namorada dos tempos antigos:
- Feliz Ano Novo! – disse com toda a animação enquanto abraçava Lara.
- Feliz Ano Novo Sil. – respondeu Lara com a mesma animação.
- E aí... vai fazer o que no primeiro dia do ano?
- Ficar em casa. Não to muito a fim de sair não.
- Hum... Tudo bem. Eu também não tava muito a fim de sair.
- Fica aqui comigo. Você pode cozinhar pra gente! Que tal? – brincou Lara.
- Ah, espertinha! Fazer o que ? – riu Silvia fingindo não ter outra opção.

Aproveitando o momento descontraído Lara contou à amiga, com quem tudo dividia, sobre o telefonema e sobre a forma como Natália se mostrara insatisfeita ao falar com ela.

- Ah Larinha, você também tá deixando que ela te faça de gato e sapato – disse a amiga em tom de reprovação.
- Não é isso. Ela se zangou comigo. Eu falei coisas ruins.
- Lara, todo mundo fala coisas ruins em algum momento. Quantas vezes ela te tratou mal? Quantas vezes te magoou com atitudes?
- Isso é passado. Já nem penso nessas coisas.
- Tá vendo? Você perdoou. Por que ela não pode fazer o mesmo?
- Não é simples assim Sil. E além do mais, as pessoas são diferentes.
- Ah, você é quem sabe. Só não acho justo você ficar dando murro em ponta de faca! Você precisa seguir em frente, viver o que é pra ser vivido e pronto. Deixa isso pra lá.
- Você sabe que não posso! E não creio que o maior problema nessa história seja a falta de perdão, acho que agora falta é amor. Ela não sente mais nada.
- É. Falta amor, sim – disse Silvia indignada – falta amor próprio, e de sua parte. Lara você é uma mulher linda, madura, incrível...
- Ah, pára com isso – sorriu sem graça.
- É verdade Lara, não é certo o que você ta fazendo consigo mesma. Porque dessa vez, sou obrigada a dizer, que é você quem está procurando pelo sofrimento.
- Quero me despedir. Só isso.
- O que? Vai contar pra ela? Tem necessidade?
- Não. Não vou contar. Mas queria vê-la mais uma vez.
- Ai Larinha, eu não sei se é uma boa ideia. Você pode se machucar mais ainda, e...
- Eu não tenho nada a perder. – disse com voz firme, colocando um ponto final na conversa.

POR: LIVIA QUEIROZ
[CONTINUA...]

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Ascendente Câncer ( Parte 4 )

Os dias foram se passando, o tempo tratou de correr bem na medida do possível... E tudo que tinha de acontecer, aconteceu, afinal vidas não param pelas dores dos outros.
Apesar dos medos, da incerteza e das limitações que a doença impusera à Lara, ela vivia como dava, e não parava de fazer todas as coisas de que gostava. Tinha tempo pra tudo, menos pra depressão e tinha decidido: “Não vou – nem sob decreto – passar meus últimos meses em cima de uma cama, deprimida, brigando com Deus e resmungando da falta de sorte enquanto o tempo acaba.” E assim fizera. Não parou de estudar e nem de trabalhar, só dava trégua quando se sentia mal. E a diversão, era ímpar...
Às vezes pensava em Natália, mas quando o fazia, parecia-lhe estranha a sensação já que se obrigara a “deixar pra lá”.

Voltou para a terapia com Dr. Ricardo, que a acompanhara já há alguns anos. Não queria mais conselhos de como aceitar o seu veredicto, tampouco receitas de como aproveitar a vida. Só ia mesmo porque se sentia bem, e além do mais Ricardo havia se tornado um grande amigo. Em uma das vezes chegou a comentar sobre a sua necessidade de dizer um “adeus” ainda que disfarçado a Natália e quem sabe, se desse sorte, ganharia um abraço:

- Porque não liga pra ela e conta a verdade?
- Não quero que ela saiba. Só queria abraçá-la. Despedir-me decentemente. – respondeu Lara escondendo as lágrimas que teimavam em se fazerem notar.
- Não acha justo que ela saiba o motivo do “Adeus”?
- Não. Ela tem outra vida. Não vou estragar nada.
- Você é quem sabe... Mas se eu fosse você eu a procuraria. – disse o psicólogo com um tom encorajador na voz.
- Eu já a procurei, mas não é tão simples assim. Ela não quer nem falar comigo e com razão!
- Por quê?
- Porque a magoei. Falei umas coisas ruins quando eu tava chateada e...
- Ainda bem que você falou essas coisas quando estava chateada, né? – tornou Ricardo rindo – Pior seria se tivesse falado coisas ruins ‘numa boa’. Sem nem sentir pelas palavras ofensivas.
- Ah... – Suspirou Lara em meio às lágrimas – eu sinto. Eu sinto tanto... Se eu pudesse voltaria atrás mesmo, só que não posso e não sei nem como reparar isso, até porque a própria Natália me disse que não havia jeito.
- Larinha, – disse com doçura – não existe erro, em vida, que não possa ser reparado. Ela pode não querer saber a respeito agora, mas um dia ela vai entender e vai ver quanto tempo perdeu remoendo acontecimentos ruins. Eu lamento muito por sua saúde, mas alegro-me em ver que você não se deixou abater e nem caiu em desespero...
- De que ia adiantar? Todos vão mesmo. De uma forma ou de outra. – disse ensaiando um sorriso.
- Eu quero que pense bem. E se acha que vai valer à pena, procure-a. Porque você merece esse presente.


Por: Livia Queiroz


( CONTINUA)


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ascendente Câncer ( Parte 3 )

- Quem era? – perguntava o namorado de Natália logo depois da ligação de Lara.
- Uma amiga distante. Mas nada importante – mentiu.

Apesar de estar muito bem, Natália também sentia não ter dado certo o namoro com Lara, e por vezes pensou em tê-la novamente, mas tanta coisa aconteceu, tantos erros (de ambas as partes) a separaram, que não valia mais à pena conservar elos. “Larinha não sabe lidar com isso, ela se descontrola”, confortou-se com esse pensamento na tentativa de amenizar o impacto da ligação e justificar a falta de atenção para com a ex. “Estou bem. E não posso estragar isso”, concluiu.

- Ta pensando em quê? – perguntou o namorado vendo-a distante.
- Nada. Me distraí. Que vamos fazer hoje?
- Use a imaginação... – disse ele com malícia brincando com os cabelos longos da namorada, que a essa altura tentava disfarçar o desconforto se entregando á carícias que a entorpeciam.

Em casa, distante dali, Lara ainda tentara ligar outras vezes, não obtendo êxito, pois, Natália desligara o celular. O coração andava doído, e assim seria visto que a felicidade de Naty não se deixava ser incomodada, não pausava para consertar as coisas e não via necessidade de entender ou ao menos escutar.
Larinha por fim desistiu. Não adiantaria. “Ninguém tem obrigação de amar ninguém. E sei que falei coisas ruins e devo tê-la magoado também” sussurrou no travesseiro agora molhado por causa das lágrimas.


POR: LIVIA QUEIROZ


(CONTINUA....)

domingo, 21 de novembro de 2010

Ascendente Câncer ( Parte 2 )

- Alô
- Oi Naty, sou eu, Lara.
- Oi, como vai?
- To com saudade.
- Que bom!
- Não tenho conseguido ficar sem você. E olha que eu to tentando me acostumar, mas...
- Entendo.
- Eu... Eu...

As palavras de Lara se embolavam na boca tornando traiçoeira a tentativa inútil de comunicação. Por fim, Natália concluiu:

- Eu não posso falar agora, depois conversamos.
- Acabou? Acabou tudo?
- É acabou. - respondeu Natália friamente.

Por algum tempo Lara pareceu anestesiada. Segundos depois o músculo dentro do peito saltitava dolorosamente.
Era amor "de mais" para importância "de menos". E no mais, até onde se sabia, Natália havia encontrado alguém, estava namorando e parecia estar bem feliz...
Nada podia ser feito, mas persistia em Lara a necessidade do abraço, o último que fosse muito mais por se sentir segura nos braços de Natália do que por qualquer outro motivo. Não era tentativa de reatar, era apenas o medo de ir-se sem ter oportunidade de se despedir, já que não sabia que rumo as coisas tomariam e não tinha mais ninguém com quem quisesse compartilhar o que quer que fosse.
Suspirou tristemente, tentando exalar um pouco de coragem para lidar com tudo aquilo. Estava só e conformou-se.
“Deus, me ajude.", pedia enquanto andava de um lado pro outro dentro do quarto.


[CONTINUA...]



POR: LIVIA QUEIROZ