quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Dora


Dora chegou há quatro anos e em quatro horas já era a favorita. Em quatro dias já era a única. Em quatro semanas já era a "toda"... Monopolizara-me os desejos, os pensamentos, os olhares e os poemas.

Mas, numa manhã quente, antes de eu sair para o trabalho, Dora se foi. E hoje falo isso sem tanta tristeza. Era uns pés de mesa despregados que, por conta d'um movimento brusco, despencaram. E Dora se foi!
Dora foi, mas voltava sempre para o meu colo conforto e alento. Voltava porque ninguém te dava um poema e seu ego sentia fome de mim. Depois ia embora, a maldita ia embora levando os poemas, a respiração suspensa e o cinema mudo. Deixando cravada nas paredes da sala uma monotonia em meio tom.

Em quatro anos Dora ia e voltava e já não era mais a mesma e passara então a não merecer tanto. Pedia, nas entrelinhas, para ser ignorada, era a sua vingança: eu sofreria por não enxergá-la. Mas isso também passava.

Dora voltou, mais uma vez (a última, eu espero. Que ainda não to preparada)... Voltou trazendo esperança, o mundo voltou a sorrir, as estradas encurtaram e eu não estava mais à deriva. Dora chegou com promessas de umas palavras que nem seriam ditas, com uma secura esdrúxula e uma ampliação de sofrimentos. Decalquei na hora a volta atarrancada. Esperei por Dora e se tem algo que posso dizer sobre ela é que ela é sol e lua, noite e dia, branco e preto, e sem rotina nem programação (o que leva ao embaraço da percepção).

Dora é de uma espécie que fácil se reproduz e se reflete em qualquer espelho. Tem tido pensamentos vulgares e comportamento desregrado. Acho justo. Mas está perdida. À noite em sua cama às vezes sem pau, ela é só ego. Viaja de costas nos espaços que não possui. Não tem mais no corpo a "certeza mulher", só tem resquícios do que é lamentável, e alguns espermas sofridos.

Dora diz que me ama. Diz que também sofre. Mas isso é inútil diante de tanta covardia e de um pau que não tenho. Ela é presa fácil em qualquer armadilha recheada, e se eu contar o sabor e a textura do recheio, talvez ela se ofenda, porque acima de tudo, Dora é melhor que todo mundo e tem um pudor mentiroso que a mim não engana.
Ela acha que por mais que vá, sempre poderá voltar ( e talvez possa já que sabe o caminho e as artimanhas), mas os atalhos vão ficando diferentes. E as pegadas começam a chegar antes de serem feitas. Dora é previsível, mesmo quando luta para não ser e nas noites em que pensa em como eu estou, começa a fazer contas e analisar peso e contrapeso. E tanta análise assim cansa o enredo. Dora é toda subjetiva e não forma frase nem contexto, apenas passado doído e amor que não serve pra ser dela.


Por: Livia Queiroz