sexta-feira, 16 de agosto de 2013

- arma branca -


- do descaso para com os homens -

E eis que não senti raiva, não me recordo em momento algum de ter brotado esse sentimento. Talvez por que no fundo sei que mesmo que uma pessoa escolha um caminho turvo, muitas vezes ela é induzida à isso. Por notar que um sistema educacional falido e hipócrita só serve pra dar diploma à meliantes. (Não gosto da palavra "marginais" porque há tantos homens de bem que vivem à margem da sociedade, expulsos do próprio direito, que chega a ser constrangedor generalizar e compactar todos numa palavra cuja intenção seja definir um ser de caráter duvidoso.)

Como disse à princípio, não senti e nem sinto raiva. Só um pouco de medo, na verdade sinto muito medo e meu coração vem na boca ao escutar barulho de motocicletas.

Aconteceu na última quarta-feira (14/08)... E foi a pior sensação que tive em fração de segundos.
Tudo rápido demais. Seguia para entrada da faculdade por volta das 19:30 quando, uma moto com dois homens parou proxima à mim. Eu, que me encontrava na calçada, continuei andando por imaginar que eram apenas dois alunos chegando na faculdade também. Eis que para a minha surpresa o moço da garupa pulou na minha frente me agarrando pela gola da minha blusa e gritando: " passa o celular, bora passa o celular " demorei uns segundos pra assimilar a situação toda. Até aí tudo bem, eu ia dar o celular, podia levar a mochila toda se quisesse, mas eu sentia medo. E por uma dessas coisas lindas que acontecem em meio aos tumultos, uma moça notou a situação e sem hesitar começou a gritar e pedir ajuda aos seguranças da faculdade.  Nesse momento, o meliante desistiu de súbito do assalto e achou mais atrativo usar a violência pra demonstrar a frustração, o fracasso. O resultado: um soco no olho esquerdo e um barulho de moto com cheiro de fuga e ira. Consegui correr pra dentro da faculdade e tudo terminou bem.

Tirando um derrame no olho e um corte na pálpebra(por conta do óculos que ficou aos pedaços), dores na cabeça e inchaço no rosto, tudo terminou bem. E dos males, o menor.

Diante desse fato, posso concluir tantas coisas, mas a conclusão mais importante que cheguei é de que o ser humano é frágil. E não estou falando do soco que levei, nem do medo que sinto o tempo todo. Estou falando de fragilidade no que diz respeito a não aguentar a pressão, de não suportar viver na miséria, de não se contentar em estar sempre do outro lado das vitrines.

Tentei um olhar diferente, mas ainda assim só consigo sentir dó e medo. E sabe-se lá se eles chegaram vivos em casa, ou se tinham casa, ou se queriam ir pra casa... Sabe-se lá se tem um futuro... Passei algum tempo me olhando no espelho, o corte não tá bonito, mas e se ele for a expressão da pobreza e do fracasso querendo tomar satisfações?  

E essa violência gratuita não seria uma caricatura de uma pobreza que tem fome de dinheiro fácil porque é bombardeada o tempo inteiro com o estímulo dos desejos ou seduzida pela tentativa de ser vista como igual? Sem meios pra isso uma represa se rompe deixando vir à tona todo o poder em fúria que possui.

Não os estou isentando da responsabilidade pelo que fizeram porque se quisessem poderiam escolher outros meios de “ganhar” a vida, mas essa talvez seja uma responsabilidade a ser divida. E não é com pena de morte (como sugerem os mais radicais), nem com bolsas migalhas, que solucionarão o grito violento dessa gente. O ser humano quee ser visto, ser olhado como tal. É preciso dar atenção devida à isso e  arrumar solução em meio ao caos instalado.

Se me pedirem receitas, fórmulas, soluções, direi que não as tenho por completo. Mas sei que elas existem e que é necessário procurá-las. As pessoas estão sofrendo e dores podem criar monstros.
Eu não pude fazer nada para me defender. Eu não reagi. Eu não orei. Eu não lembrei de Deus na hora do susto. Eu só lembrei do medo e da porcentagem de dor a mim transferida por conta da raiva reprimida que corroía aquele homem.

Eu possuo, para legítima defesa, apenas duas armas: uma pontiaguda e a outra branca.
Caneta e papel.

Gostaria que eles as possuíssem também, e agora, além do medo sinto brotando um pouco de tristeza.

Da pior violência que pode existir, a maior delas é desacreditar na bondade do ser humano. Isso sim é triste demais para ser escrito.



Por: Livia Queiroz