- do descaso para com os homens -
E eis que não
senti raiva, não me recordo em momento algum de ter brotado esse sentimento.
Talvez por que no fundo sei que mesmo que uma pessoa escolha um caminho turvo,
muitas vezes ela é induzida à isso. Por notar que um sistema educacional falido
e hipócrita só serve pra dar diploma à meliantes. (Não gosto da palavra "marginais" porque há tantos
homens de bem que vivem à margem da sociedade, expulsos do próprio direito, que
chega a ser constrangedor generalizar e compactar todos numa palavra cuja
intenção seja definir um ser de caráter duvidoso.)
Como disse à
princípio, não senti e nem sinto raiva. Só um pouco de medo, na verdade sinto
muito medo e meu coração vem na boca ao escutar barulho de motocicletas.
Aconteceu na
última quarta-feira (14/08)... E foi a pior sensação que tive em fração de
segundos.
Tudo rápido demais. Seguia para entrada da
faculdade por volta das 19:30 quando, uma moto com dois homens parou proxima à
mim. Eu, que me encontrava na calçada, continuei andando por imaginar que eram
apenas dois alunos chegando na faculdade também. Eis que para a minha surpresa
o moço da garupa pulou na minha frente me agarrando pela gola da minha blusa e
gritando: " passa o celular, bora passa o celular " demorei
uns segundos pra assimilar a situação toda. Até aí tudo bem, eu ia dar o
celular, podia levar a mochila toda se quisesse, mas eu sentia medo. E por uma
dessas coisas lindas que acontecem em meio aos tumultos, uma moça notou a
situação e sem hesitar começou a gritar e pedir ajuda aos seguranças da
faculdade. Nesse momento, o meliante
desistiu de súbito do assalto e achou mais atrativo usar a violência pra
demonstrar a frustração, o fracasso. O resultado: um soco no olho esquerdo e um
barulho de moto com cheiro de fuga e ira. Consegui correr pra dentro da faculdade
e tudo terminou bem.
Tirando um
derrame no olho e um corte na pálpebra(por conta do óculos que ficou aos
pedaços), dores na cabeça e inchaço no rosto, tudo terminou bem. E dos males, o
menor.
Diante desse
fato, posso concluir tantas coisas, mas a conclusão mais importante que cheguei
é de que o ser humano é frágil. E não estou falando do soco que levei,
nem do medo que sinto o tempo todo. Estou falando de fragilidade no que diz
respeito a não aguentar a pressão, de não suportar viver na miséria, de não se
contentar em estar sempre do outro lado das vitrines.
Tentei um
olhar diferente, mas ainda assim só consigo sentir dó e medo. E sabe-se lá se
eles chegaram vivos em casa, ou se tinham casa, ou se queriam ir pra casa...
Sabe-se lá se tem um futuro... Passei algum tempo me olhando no espelho, o
corte não tá bonito, mas e se ele for a expressão da pobreza e do fracasso
querendo tomar satisfações?
E essa
violência gratuita não seria uma caricatura de uma pobreza que tem fome de
dinheiro fácil porque é bombardeada o tempo inteiro com o estímulo dos desejos
ou seduzida pela tentativa de ser vista como igual? Sem meios pra isso uma
represa se rompe deixando vir à tona todo o poder em fúria que possui.
Não os estou
isentando da responsabilidade pelo que fizeram porque se quisessem poderiam
escolher outros meios de “ganhar” a
vida, mas essa talvez seja uma responsabilidade a ser divida. E não é com pena
de morte (como sugerem os mais radicais), nem com bolsas migalhas, que solucionarão
o grito violento dessa gente. O ser humano quee ser visto, ser olhado como tal. É preciso dar atenção devida à isso e arrumar solução em meio ao caos instalado.
Se me pedirem
receitas, fórmulas, soluções, direi que não as tenho por completo. Mas sei que
elas existem e que é necessário procurá-las. As pessoas estão sofrendo e dores
podem criar monstros.
Eu não pude
fazer nada para me defender. Eu não reagi. Eu não orei. Eu não lembrei de Deus
na hora do susto. Eu só lembrei do medo e da porcentagem de dor a mim
transferida por conta da raiva reprimida que corroía aquele homem.
Eu possuo,
para legítima defesa, apenas duas armas: uma pontiaguda e a outra branca.
Caneta e papel.
Gostaria que
eles as possuíssem também, e agora, além do medo sinto brotando um pouco de
tristeza.
Da pior violência que pode existir, a maior delas é desacreditar na
bondade do ser humano. Isso sim é triste demais para ser escrito.
Por: Livia Queiroz