ou o que?
Cadê tu verso meu?
Que desversificação te comeu?
(Por: Livia Queiroz)
“Naty,
Antes de qualquer coisa quero que saiba que essa não é uma tentativa de reatar o nosso namoro, nunca foi essa a minha intenção. A única coisa que quero é falar o que deve ser falado... Procurei você várias vezes e não obtive sucesso. Entendo sua atitude e aceito.
Quero que saiba, que eu te amo pra sempre, e que nada do que eu disse de ruim, era verdade. A única coisa que há pra você, dentro de meu coração, é amor. E esse amor é puro, incapaz de qualquer atrocidade, de qualquer malvadeza.
O problema é que às vezes a boca contraria o coração. E é assim que as coisas ruins saltam da garganta. Enrijeci a alma e vi o resultado: te perdi.
As coisas não andam muito bem comigo, e eu nem sei se vou conseguir te entregar essa carta. Mas o que seria da vida sem a tentativa?
Que a nossa história acabou eu entendo e suporto. Que você ama outra pessoa, eu me esforço para acreditar. Que você me esqueceu e não me ama mais, por mais que eu tente, isso não me soa como verdade.
Mas, ser racional que sou, não pretendo alimentar expectativas e nem invadir sua vida de maneira irresponsável, até porque sei também de todos os obstáculos que você enfrenta...
Durante todos esses meses que te procurei só queria te pedir uma coisa: por favor, me perdoe. Não me deixe ir embora sem seu perdão. Entenda que cedi à um impulso vil e sujo, e que não queria fazer você pensar que sou o que não sou.
EU TE AMO,
Lara.
Era o que dizia a carta do envelope azul marinho que só foi aberta por Natália um mês depois, quando a mesma criou coragem para lê-la. Embora não notasse, sua vida nunca mais fora a mesma, passou a pensar que talvez não tivesse mais tempo no próximo minuto e passou a fazer hoje o que é pra ser feito hoje. Quanto ao namoro, se seguiu, e ela aos poucos foi voltando à felicidade habitual, sem grandes emoções é verdade, mas ainda precisaria de muito tempo para aprender e entender que a vida foi feita para ser vivida com intensidade. Isso era questão de tempo.
Silvia trocou o trabalho que odiava e passou a fazer o que realmente amava: dedicou-se a fotografia. E estava além de feliz, realizada. Anos depois conheceu alguém, por quem se apaixonou novamente e com quem descobriria de novo o gosto da felicidade.
Agnes voltou ao apartamento da filha com o coração repleto de remorso. Não se perdoava e passara a fazer terapia com Ricardo. Ninguém melhor que ele para ajudá-la.
E Lara... Lara estava bem... Feliz... Em paz... Do jeitinho que gostava...
E num lugar, sem dúvida, muito melhor que o que todos nós estamos.
- Quando pensar nela – dizia Silvia à Natália – pense com todo amor que ela merece!
POR: LIVIA QUEIROZ
FIM!
No dia seguinte, Natália levantou com forte dor de cabeça, tivera uma noite horrível. Dormiu muito mal e parecia que tinha um tijolo amarrado à sua cabeça. Mesmo assim levantou, tomou banho se vestiu e foi até o apartamento de Lara.
- Entre. – disse Silvia educadamente.
- Por que você está aqui? – perguntou Natália sentindo o ciúme fazer parte dela novamente.
- Porque alguém tinha que estar!
- Vocês estavam juntas de novo?
- Sempre estivemos juntas, ao lado da outra pro que quer que fosse.
- Não é disso que to falando! – irritou-se Natália.
- Então a resposta é não. – falou Silvia pegando sua bolsa e se dirigindo à porta.
- Aonde você vai?
- Trabalhar. Quando sair, por favor, feche a porta. – e saiu sem procurar pensar muito na presença de Natália ali.
Natália passou pelo apartamento. Adentrou no quarto de Lara e ficou lá, deitada em sua cama que ainda guardava o cheiro da única mulher que amara nesse mundo.
Ficou por lá o dia inteiro. Cochilou e acordou várias vezes. Ao fim da tarde, Silvia voltou para tentar arrumar mais algumas coisas e ainda encontrou Natália dormindo agarrada ao travesseiro de Lara. Sentiu o corpo estremecer num misto de raiva e ciúme, mas preferiu não dizer nada, voltou para a sala e lá ficou esperando que a moça acordasse. Já havia escurecido quando Natália levantou.
- Desculpe, deitei na cama de Larinha e acabei pegando no sono. Sonhei com ela.
- Não tem problema – disse Silvia sem tirar os olhos do livro que estava lendo.
- Silvia, obrigada. – falou Natália com voz rouca ainda.
- Não fiz nada para você me agradecer.
- Fez sim. Cuidou de Lara. Ficou do lado dela. Amou-a, apoiou, segurou a barra e sabe lá o quanto deve ter sofrido e o quanto está sofrendo ainda.
- Fiz porque a amo.
- Eu sei. Também a amo, mas por conta da birra, da zanga, e do orgulho não consegui perdoá-la à tempo. Ela foi à minha casa e tudo! Eu nem a recebi.
- Eu sei. Ela te amou muito, e a única coisa que queria era ver você.
- Se ela tivesse me contado...
- Você viria por pena?
- Lógico que não! Viria por amor, isso sim.
- Ela achava que se te contasse você viria por pena e ela nem queria que você soubesse na verdade. Falava que não queria estragar sua felicidade, que você estava bem, amando outra pessoa, feliz da vida...
- Evitei Lara justamente por saber que não ia resistir por muito tempo, e como já estava magoada encontrei um motivo à mais para me afastar. Mas agora sei que é tarde pra voltar atrás e...
- É. – interrompeu Silvia levantando-se e seguindo para o quarto – Preciso arrumar as coisas dela. E tentar entrar em contato com a mãe pra saber o que ela vai fazer com isso tudo.
- Me deixe ajudar. – pediu Natália indo atrás de Silvia e parando na porta do quarto.
- Como queira – respondeu, dando os ombros.
Já era tarde quando terminaram de arrumar as roupas que foram postas numa terceira mala, e os objetos pessoais que foram separados em caixas. Fizeram tudo isso em silêncio, cada uma perdida nas lembranças boas que guardavam de Larinha.
- Eu posso dormir aqui? - pediu Natália, querendo se sentir um pouco mais perto de Lara.
- Pode. Eu já estou indo.
Silvia voltou para casa e ligou para Ricardo:
- Natália apareceu lá? – surpreendeu-se o psicólogo
- Apareceu pela manhã. Eu tava indo trabalhar e a deixei lá, quando eu cheguei, ela ainda estava. Me ajudou a arrumar as coisas e pediu pra dormir lá.
- E você?
- Deixei-a lá e vim pra casa.
- Ela ficou muito abalada.
- Peso na consciência.
- Acho que é mais arrependimento. Porque todas as pessoas pensam que tem todo o tempo do mundo para colocar as coisas em ordem, desfazer os desentendimentos, amar com tudo que pode... E uma hora o tempo passa, acaba e já era a baita oportunidade que a vida esfregava diante de seus olhos.
- É verdade!
Conversaram mais um pouco e se despediram. Silvia tomou um banho demorado e em seguida caiu na cama, dormiu pesadamente.
Ao contrário de Natália que passou a noite em claro.- Quem é?
- Oi Natália. Você não me conhece. Sou Ricardo, psicólogo e amigo de Lara, gostaria de falar...
- Não tenho nada pra conversar sobre Lara, e...
- Calma. Gostaria de falar com você. Deixe-me subir ou então desça até aqui, tanto faz. É importante. Tenho uma coisa que Lara gostaria de te entregar.
- Não. Obrigada!
- Natália, por favor.
- Estou muito ocupada.
- Não vou tomar muito de seu tempo. Cinco minutos, eu prometo.
- Tudo bem. Suba. – disse a contragosto, mas por algum motivo não conseguiu dizer não.
Ricardo subia o elevador abraçado à caixa, e imaginando se Lara estava feliz com isso, afinal, era tudo o que mais queria: falar com Natália, e agora falaria, ainda que fosse através de uma simples carta.
- Oi, muito prazer Natália. Estive uma vez aqui com Lara.
- É eu sei.
- Como sabe? – perguntou percebendo que Lara tinha razão quando afirmou que Natália estava em casa e não a quisera receber – Seu namorado falou apenas com Lara e disse que você não estava.
- Você disse que seria breve. – desconversou – O que quer?
- Claro. Vim te entregar isso. – disse estendendo a caixa.
- Diga a Lara que não me agrada a idéia de ela ficar me mandando presentes. – falou, pegando a caixa e se mostrando contrariada.
- Espero que goste. – e levantando-se Ricardo foi seguindo em direção à porta.
- O que Lara pretende com isso? – falou indignada, fazendo Ricardo se virar e sentar novamente à sua frente.
- Ela queria que você soubesse tudo o que ela queria dizer...
- Ela me disse o que queria!
- Ela disse coisas num momento de raiva. Coisas das quais se arrependeu amargamente.
- Sei...
- Fiz o que vim fazer. Vou indo, você está ocupada.
- Onde ela está? No seu carro? Peça pra que ela suba.
- Não. Ela não está lá embaixo.
- Avise a ela que passo por lá amanhã.
- Natália – disse Ricardo com voz serena – acontece que Lara estava muito doente.
- Como? Vocês estiveram aqui e ela estava bem!
- Como sabe? Nem quis nos receber... Fato é que Lara estava muito mal.
- Tava doente de que?
- Câncer.
- Hã? – assustou-se. – Isso não faz sentido. Ela veio aqui...
- Ela não estava bem, mesmo. Pra te falar a verdade eu vim com ela porque ela já havia perdido a visão, e aquela foi a primeira vez que ela saiu de casa depois que isso aconteceu.
- Não posso acreditar. Meu Deus! – disse sem segurar as lágrimas que revelavam o quanto ainda amava a sua Larinha – Em que hospital ela está? Me leve lá agora, por favor.
- Natália, eu sinto muito.
- O que? O que você sente? – gritou descontrolada, ao perceber os olhos de Ricardo marejarem.
- Lara faleceu há duas semanas.
Natália estacou o choro , abafou a voz com uma das mãos e ficou de olhos esbugalhados olhando pra Ricardo, até que perguntou num misto de dor e raiva:
- O que você está dizendo?
- Você entendeu o que quis dizer. Lara faleceu por conta de um tumor no cérebro. – complementou.
Natália não conseguia raciocinar direito. Chorara copiosamente, Ricardo pegou água e deu-lhe para que ela se acalmasse, entre uma lágrima e outra ela dizia:
- Por que vocês não me avisaram? Por quê?
- Não sabíamos o que fazer...
- Santo Deus! Meu bebê... Você levou meu anjo...
Natália estava desnorteada e nada que Ricardo dissesse amenizaria a dor que sentia naquele momento. Quando ela por fim se acalmou, ele sentiu que já devia ir.
- Eu preciso ir. Tá aqui meu telefone – falou enquanto colocava o cartão sobre a mesa de centro. – Se precisar de alguma coisa me ligue...
- Obrigada – sussurrou Natália, sem forças nem para se levantar e acompanhá-lo até a porta.
POR: LIVIA QUEIROZ
O que se seguiu foi o ritual macabro de resolver as “coisas” e avisar às pessoas. Silvia tirou as últimas forças que tinha e assumiu o controle de tudo, afinal, se já tinha chegado até ali, não era naquele momento que ia enfraquecer. Os amigos de Lara, bem como a mãe, foram avisados. A última não compareceu nem ao velório nem ao enterro e Silvia achava melhor assim, por que Lara nunca se mostrou disposta a perdoá-la.
Os dias que se seguiram após a morte de Lara foram pesados. O céu ficara nublado e Silvia precisou de muita força para levantar todos os dias. Resolvera sair do apartamento de Lara e voltar dali há alguns dias para arrumar tudo, enquanto pensava num jeito de contatar Agnes, sem que ela desse um ataque, para saber o que seria feito com as coisas e com o apartamento de Lara.
Uma semana depois, Silvia já voltara ao trabalho, e embora ainda abatida, sabia que tinha de continuar. E lembrava-se do pedido de Lara para que tentasse a felicidade.
Naquela quarta-feira, saiu do trabalho e foi até o apartamento de Lara. Precisava colocar as coisas em ordem, arrumar as roupas, os documentos e tudo o mais que precisasse...
Girou a chave na fechadura e por um instante sua respiração ficou suspensa, o coração acelerou e um soluço doído povoou o ambiente quando ela abriu a porta. Apoiou-se na parede e seguiu para o sofá, do outro lado da sala, sentou e ficou até se acalmar.
Fato é que não lhe agradava em nada a idéia de ter de remexer as coisas de Lara e se desfazer de quase tudo.
Começou pelas peças de roupa, e em meio ao choro baixinho, foi colocando uma a uma na mala roxa que Lara adorava. As roupas que não couberam na primeira mala, foram para a segunda e quando esta já estava cheia também, Silvia parou de arrumar. Deixou as que restaram lá, iria pensar nelas depois.
Encontrou no canto do armário uma caixinha marrom decorada com flores amarelas e fita dourada. Por um instante hesitou, mas por fim abriu.
Dentro da caixa havia fotos de Lara, bilhetes, cartões, até conchinhas que ela colecionara um dia... No fundo da caixa um envelope azul marinho, escrito com tinta prateada “Natália”.
O celular de Silvia tocou nesse momento, e ela largou a caixa e voltou para a sala:
- Alô.
- Oi Silvia. Como você está? – perguntou Ricardo.
- Estou bem, na medida do possível. Vim aqui no apartamento de Lara arrumar as coisas dela e... – não conteve as lágrimas.
- Calma. Você quer que eu vá pra aí?
- Não se incomode. Eu me viro por aqui, é que ainda é muito difícil olhar as coisinhas dela e saber que ela...
- Não é incômodo. Fique onde está. Eu já chego aí.
- Tudo bem.
Silvia desligou o celular e voltou ao quarto, para a caixa, para o envelope... Sentiu curiosidade, quis ler, mas lembrou-se de repente do olhar de Lara quando reprovava alguma atitude sua. Guardou tudo dentro da caixa novamente, e a levou para a sala colocando-a sobre a mesinha de centro. Em sua cabeça a dúvida: contatar ou não Natália?
Ricardo chegou com semblante preocupado, encontrou Silvia ainda chorosa, embora mais calma. Sentaram-se no sofá e conversaram um pouco, lembraram de Larinha com uma saudade cheia de amor.
- Boa garota – falou Ricardo com a voz se arrastando.
- É.
- Que caixa é essa? – perguntou, após notar a presença daquela caixa sobre a mesinha à sua frente.
- Achei no armário quando tava arrumando. Tem umas fotos, uns bilhetes e um envelope que parece conter uma carta dentro. Não sei direito, não abri.
- Por que não?
- Porque é pra Natália.
- Eu posso ver a caixa?
- Claro.
Ricardo viu todo o conteúdo da tal caixa, e achou também o envelope onde havia o nome de Natália escrito.
- Você vai entregar? – perguntou curioso
- O que acha?
- Acho que essa carta foi feita pra ser entregue e lida.
- Não sei como vou fazer isso.
- Eu sei onde Natália mora. Posso levar se você quiser...
- Ótimo, pode levar então – disse Silvia se levantando – vou fazer um suco pra gente.
- Não precisa. Eu vou levar agora.
- Tudo bem – disse desapontada – Leve a caixa e tudo o que está aí dentro. Acho que ela queria dar tudo isso aí a Natália.
- Tem certeza?